Alexandre Di Miceli
4 min readMar 17, 2020
Illustration 35009634 © Olivier Le Moal — Dreamstime.com

Os perigos de um clichê

Por que o tão popular “foco no resultado” é um convite a comportamentos antiéticos nas empresas

Um chavão é hoje muito popular no mundo corporativo: o “foco no resultado.” O pano de fundo por trás desse conceito é compreensível: as empresas precisam de lucro para sobreviver. Logo, as pessoas deveriam se concentrar nas atividades que agregam valor à companhia em lugar de tarefas supérfluas ou improdutivas.

Há frequentemente, contudo, um efeito colateral perigoso da ênfase do foco no resultado: a interpretação por executivos e colaboradores de que precisam alcançar as metas a qualquer custo.

Este não é um risco infundado. Um estudo baseado em entrevistas com experts em corrupção empresarial (ex-executivos de empresas corruptas, jornalistas investigativos e policiais) concluiu que “o foco excessivo em alcançar os resultados financeiros é uma característica-chave de culturas organizacionais antiéticas” e que o valor “orientação para os resultados” leva a uma premissa generalizada nas empresas de que os fins justificam os meios. Um executivo entrevistado bem sintetizou esta questão: “Eu tenho que alcançar os resultados e ninguém quer saber como faço isso; o importante é entregar os números.”

Um exemplo clássico dos efeitos perniciosos desse chavão ocorreu com a Enron no início dos anos 2000. Ela afirmava ter um “foco como raio laser” no resultado. No Brasil, diversas companhias adotam o “foco no resultado” como um de seus valores essenciais, crenças ou atitudes desejadas. Casos da Camargo Correa em seu relatório anual de 2012, da JBS em seu relatório de 2014 — ambas envolvidas em graves escândalos de corrupção — e da Oi em seu relatório de 2017 (segundo maior caso de recuperação judicial no Brasil depois da Odebrecth).

Para os professores Mario Sergio Cortella e Clovis de Barros Filho em seu livro Ética e Vergonha na Cara, sequer faz sentido incluir o termo “foco” à frente de qualquer termo quando se trata de valores com pesos iguais. O motivo é simples: em caso de choque entre dois valores — como foco no resultado e ética — a palavra foco determina claramente qual deles deve preponderar. Os autores sintetizam a questão com um trocadilho interessante: “Quando falamos em foco no resultado ao se tratar de valores, não temos ilusão de ótica, mas sim ilusão de ética.”

Poucas empresas, por outro lado, elencam como um de seus valores essenciais o foco em como os resultados são obtidos e a ênfase em avaliar as consequências dos resultados para sua sustentabilidade. As organizações que procurarem este caminho do desempenho responsável, muito mais sintonizado ao Zeitgeist do século XXI, terão muito a ganhar.

Dois exemplos de empresas centradas na busca genuína de seu propósito — em vez do foco no resultado pelo resultado — merecem destaque. O primeiro é o da Southwest Airlines, companhia aérea americana conhecida como “The Love Company” por seu serviço humanizado e relacionamento afetuoso com empregados e clientes. A empresa é a única de seu setor com lucros em todos os anos desde o início da década de 1970 (seu retorno acionário foi de astronômicos 532% de 2012 a 2019).

O segundo é o a Buurtzorg, empresa holandesa de home care fundada em 2007 e hoje detentora de incríveis 80% de participação de mercado em seu país. Segundo seu CEO Jos de Blok, a empresa sempre teve como objetivo central construir relacionamentos de alta qualidade com seus clientes. Além disso, em vez de se ver como um mero “batedor de metas”, o CEO vê seu papel como alguém que está ali apenas para “manter os princípios da organização vivos. Isso inclui comunicar a visão, liderar pelo exemplo e estar a serviço do propósito da organização”. Um estudo independente corrobora sua visão, atestando que “o principal fator para o sucesso da Buurtzorg foi se concentrar nos resultados pessoais e clínicos de seus clientes como medida de qualidade.”

Para resumir:

O foco no resultado tende a viciar a alta gestão. Ela passa ter uma atitude cada vez mais simplista de análise exclusiva dos números finais, o que tende a tirar o foco das pessoas e da construção de relacionamentos saudáveis com os stakeholders.

A ênfase dos conselhos e diretorias deve, na verdade, ser outra: analisar como as operações vem sendo conduzidas e os resultados vêm sendo obtidos, de maneira a assegurar o desempenho responsável e sustentável da organização.

Afinal de contas, é apenas isso — e não os números finais — que se pode controlar.

Prof. Dr. Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Direzione, uma consultoria de alta gestão dedicada a aportar conteúdo do estado da arte em ética empresarial, governança corporativa, cultura, liderança, diversidade, propósito e futuro do trabalho.

Ele é autor dos livros “The Virtuous Barrel: How to Transform Corporate Scandals into Good Businesses via Behavioral Ethics” “Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI”, “Governança corporativa: o Essencial para Líderes” e “Governança corporativa no Brasil e no Mundo: Teoria e Prática”.

O autor agradece à Profa. Dra. Angela Donaggio pelos valiosos comentários e sugestões.

Alexandre Di Miceli
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Written by Alexandre Di Miceli

Professional speaker, business thinker and founder of Virtuous Company, a top management consultancy on corporate governance, culture, leadership, and purpose.

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