Alexandre Di Miceli
9 min readApr 9, 2020
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A Empresa Resiliente: Chaves para o Sucesso no Mundo Pós COVID-19

Parte 1 de 3: A empresa que aprende

O mundo já estava bem complicado para os líderes empresariais até fevereiro deste ano.

Em apresentações para diretorias e conselhos, costumava elencar um conjunto de 12 grandes megatendências que já vêm redefinindo como as empresas atuam e criam valor.

Essas megatendências incluem questões como a inteligência artificial e a era das máquinas inteligentes, as mudanças climáticas, as expectativas cada vez maiores dos stakeholders sobre o papel das empresas na sociedade e a chegada ao mercado de trabalho de novas gerações com novos valores e aspirações.

Com o surgimento da COVID-19, todas essas transformações, consideradas até então colossais, se tornaram relativamente pequenas.

Apesar de diversos especialistas terem alertado durante anos para o risco de uma grande pandemia global, a verdade é que ninguém esperava uma reviravolta sem precedentes como esta, e praticamente nenhum modelo de gestão de riscos contemplava esse “cisne negro”.

O mundo simplesmente parou.

Ainda não está claro qual será o mundo que emergirá pós-COVID-19. Há muitas especulações para todos os gostos e, naturalmente, só o tempo dirá.

Há espaço para otimismo. É possível que saiamos dessa situação com: menor polarização política dentro dos países; maior cooperação entre as pessoas para lidarmos com os desafios globais de nossa época; a volta da confiança do público na ciência e nos experts em vez das verdades individuais inflamadas pelas redes sociais; e, com a valorização de um estilo de vida mais simples.

O que não parece haver dúvida é que este será um período marcante na vida de todos, a partir do qual um novo “normal” se estabelecerá.

Para as empresas, o que temos neste momento é sobretudo um exercício de perseverança e superação.

Consequentemente, a questão mais importante para os líderes empresariais, agora e nos próximos anos, é criar organizações resilientes.

Isto é, empresas com a capacidade de se antecipar e reagir rapidamente às grandes mudanças — incluindo crises como esta — e não apenas sobreviver a essas transformações, como também se adaptar e emergir melhor do que antes.

A resiliência, portanto, é a capacidade de crescer com as adversidades e ter sucesso em um mundo de incertezas.

E uma empresa construída para ser resiliente é preparada para durar indefinidamente.

Essa característica será absolutamente essencial em um século XXI no qual, ao que tudo indica, as empresas passarão por uma sucessão de choques causados por fatores imponderáveis, como a atual pandemia, ou pelas enormes transformações tecnológicas, ambientais e sociais em curso.

Essa total imprevisibilidade, resultado da equação “mudanças em alta velocidade + mundo interconectado”, já é — e será cada vez mais — a marca do nosso tempo.

Como já dizia o célebre Peter Drucker, “o maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência, é agir com a mesma lógica de ontem.”

Uma maneira perfeita de não ter sucesso em um mundo como este é configurar a empresa como se ainda estivesse no “business as usual” do século XX. Isto é: rígida, piramidal, hierárquica, linear, processual, muitas vezes vazia, sem sentido e movida nos seus procedimentos internos por uma crença ilusória de imparcialidade e racionalidade nas decisões.

Em outras palavras, a receita para o insucesso é continuar pensar na empresa como se fosse uma grande máquina na qual se colocam recursos de toda a sorte — inclusive recursos humanos — com o objetivo exclusivo de produzir resultados financeiros com a máxima eficiência possível.

Este tipo de organização pode eventualmente funcionar bem em um ambiente estático, que premia a repetição, a escala e a eficiência, e no qual se concorre com outras empresas com as mesmas práticas. Contudo, é a receita para o desastre em um mundo extremamente dinâmico e cada vez mais humanizado que tenderá a emergir pós-COVID-19.

E quais são os atributos de uma empresa resiliente?

Existem naturalmente aspectos financeiros e operacionais. Esta crise mostrou, por exemplo, que é necessário ter uma gestão de caixa mais conservadora do que o preconizado por muitos financistas, que é preciso montar cadeias de suprimento que priorizam a redundância e backups em lugar da obsessão pela eficiência e minimização de custos, e que é preciso contar uma infraestrutura robusta de TI que viabilize a digitalização dos principais processos rapidamente.

Como organizações humanas, contudo, o elemento incomparavelmente mais importante de uma empresa resiliente é o cultural.

Uma empresa precisa estar não apenas financeiramente e operacionalmente pronta para as adversidades, mas sobretudo culturalmente preparada.

Uma empresa resiliente possui três qualidades fundamentais.

Ela aprende continuamente, é ética (no sentido de que estabelece relacionamentos saudáveis do tipo ganha-ganha com todos os seus stakeholders), e persegue autenticamente um propósito mais amplo além do resultado financeiro.

Neste texto, discorrerei sobre as virtudes da empresa que aprende. Nos outros dois, respectivamente, descreverei as qualidades da empresa ética e da empresa com propósito.

A empresa que aprende

Em uma sociedade do conhecimento caracterizada pela mudança, se as pessoas e as empresas não estão aprendendo diariamente, então elas por definição já estão se tornando obsoletas.

É importante destacar que a palavra “aprender” tem uma conotação muito mais ampla do que apenas se manter atualizado ou ser exposto a novos conhecimentos.

“Aprender” significa: 1) saber o que não está indo bem no dia a dia da empresa em relação a questões operacionais, comerciais, éticas etc. (e, naturalmente, corrigir rapidamente esses problemas); e, 2) ser capaz de inovar continuamente.

Não é possível criar uma “empresa que aprende” por decreto. É preciso desenvolver as condições para que esta virtude floresça.

Existem três atributos principais para criar uma empresa que aprende continuamente.

O primeiro, que é a base para os outros dois, é a segurança psicológica.

Segurança psicológica significa criar um ambiente no qual as pessoas não têm medo — e sintam que têm até um dever — de compartilhar suas dúvidas, reportar os erros ou condutas antiéticas e contribuir com novas ideias.

O objetivo da segurança psicológica é muito simples: eliminar o medo das pessoas no dia a dia da organização e fazer com que elas possam ser elas mesmas.

Isto é, eliminar o medo de se expor, de divergir do grupo, de questionar os superiores, de sofrer retaliações, de parecer incompetente, de ser rotulado como problemático e, obviamente, o medo de ser demitido.

Como todos vocês sabem, quando as pessoas pensam em falar algo no dia a dia corporativo, elas sempre ficam na dúvida entre abrir a boca ou ficarem caladas. Há uma percepção generalizada nas empresas de que é mais seguro ficar em silêncio.

Se a pessoa não fala, ela não corre riscos. E como diz a frase popular no mundo corporativo, “ninguém jamais foi demitido por ficar calado.”

E é isto que faz com que, entre outras coisas, as notícias ruins não subam na hierarquia.

Os erros não são reportados e, com isso, a organização simplesmente não aprende como que pode melhorar continuamente.

Quem está lá em cima muitas vezes fica simplesmente “vendido” e, com frequência, as principais lideranças são surpreendidas quando pequenos problemas aparecem já como uma bola de neve gigantesca.

É claro que este tipo de comportamento é ainda mais desastroso em momentos de crises e grandes mudanças. É aí que os problemas precisam ser reportados imediatamente, sob pena de afetar até a continuidade da organização.

Para lidar com crises, portanto, as pessoas que estão na alta gestão precisam saber o que está acontecendo nas suas empresas. E para saber o que de fato está acontecendo, você precisa de um ambiente com elevada segurança psicológica.

Do contrário, as más notícias não chegarão ao topo (ou chegarão tarde demais).

É fundamental, portanto, se livrar da cultura do medo se a empresa quiser de fato se tornar resiliente.

Há dezenas, se não centenas, de estudos científicos que mostram que a segurança psicológica faz com que: i) os problemas sejam reportados com maior frequência; ii) os erros sejam corrigidos mais rapidamente; e iii) as pessoas passem a recorrer menos às chamadas “gambiarras organizacionais” (situações em que um indivíduo consegue fazer a tarefa, mas de um jeito que gera problemas futuros muito maiores para a organização).

A outra questão importante da segurança psicológica, e que se conecta com o segundo atributo de uma empresa que aprende, é que, em um ambiente de medo, não são apenas as notícias ruins que não circulam. As ideias potencialmente boas também não sobem.

Isto é, sem segurança psicológica não há experimentação, e sem experimentação não há inovação, que é o segundo elemento-chave da empresa que aprende.

É desnecessário discorrer extensivamente sobre a importância da inovação em um mundo como o nosso.

Trata-se de um tema sempre relevante que se torna absolutamente crítico para a sobrevivência das empresas em momentos de grandes transformações como o atual.

Para criar um ambiente propício à experimentação, muita gente diz que é preciso tolerar os insucessos. Na verdade, as empresas têm que ir além: elas devem até mesmo celebrar as inciativas que não dão certo, desde que se aprenda alguma com elas.

Este talvez seja o principal diferencial das empresas de vanguarda do Século XXI: elas entendem que os insucessos são parte inseparável do aprendizado em sua jornada rumo à excelência.

Afinal de contas, o caminho para o sucesso não é uma linha reta e, como diz o ditado, é errando que se aprende.

Existem empresas como a norte-americana W.L. Gore, por exemplo, que até festejam os projetos que não dão certo em ocasiões regadas a cerveja e champagne, enquanto outras como a X Development, uma empresa do grupo da Google, chegam até a pagar bônus para as pessoas que participaram desses fracassos.

Tudo para fazer com as tentativas de inovar sejam valorizadas e, assim, as pessoas joguem para ganhar em vez de jogarem para se autopreservar e não perder.

Outra coisa que faz as pessoas jogarem para ganhar é a terceira característica de uma organização que aprende: a criação de um ambiente que ative a motivação intrínseca latente na enorme maioria das pessoas, de maneira que se sintam automotivadas a dar o seu melhor diariamente.

Isto fará com que todos os membros da organização procurem desempenhar suas atividades com excelência pelo prazer pessoal, tornando o trabalho um prêmio em si mesmo e não um meio para ganhar algum tipo de prêmio.

A motivação intrínseca é ainda mais importante em momentos de crise onde, de um lado, as pessoas tendem a ficar mais paralisadas e, de outro, a empresa tende a ficar mais dependente da iniciativa voluntária individual (uma vez se torna mais difícil acompanhar de perto o que as pessoas estão fazendo remotamente).

Segundo inúmeras evidências científicas, as pessoas se sentem mais automotivadas em ambientes que proporcionam elevada autonomia, desenvolvimento pessoal e relacionamentos pessoais saudáveis, com sensação de pertencimento e comunidade.

E é por isso que as empresas devem investir em novas práticas como a autogestão e a máxima flexibilidade no trabalho, de maneira que as pessoas possam se concentrar nas atividades que acreditam estar alinhadas ao que fazem de melhor.

Logo, para se destacar como uma organização que aprende, as empresas precisam mudar o foco dos sistemas de incentivo.

Elas precisam passar a dar uma ênfase bem maior na geração de elevada motivação intrínseca nos seus colaboradores e dar cada vez menos peso à abordagem tradicional da “cenoura e do chicote” centrada nas recompensas financeiras e nas ameaças de punição.

A figura abaixo resume as três qualidades fundamentais de uma empresa que aprende.

Nos próximos textos, abordarei as outras virtudes das empresas resilientes.

Prof. Dr. Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Direzione, uma consultoria de alta gestão dedicada a aportar conteúdo do estado da arte em ética empresarial, governança corporativa, cultura, liderança, diversidade, propósito e futuro do trabalho.

Dr. Di Miceli é autor dos livros “The Virtuous Barrel: How to Transform Corporate Scandals into Good Businesses via Behavioral Ethics” “Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI”, “Governança corporativa: o Essencial para Líderes” e “Governança corporativa no Brasil e no Mundo: Teoria e Prática”.

O autor agradece à Profa. Dra. Angela Donaggio pelos valiosos comentários e sugestões.

Alexandre Di Miceli
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Written by Alexandre Di Miceli

Professional speaker, business thinker and founder of Virtuous Company, a top management consultancy on corporate governance, culture, leadership, and purpose.

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